Síndrome de Stevens-Johnson e necrólise epidérmica tóxica: tire suas dúvidas

Dr. Sergio Paulo

A ingestão de medicamentos pode causar reações alérgicas graves e, frequentemente fatais, caracterizadas pela perda da pele, semelhante a um grande queimado. É esse o caso da Síndrome de Stevens-Johnson e da necrólise epidérmica tóxica.

Esses problemas são, portanto, urgências na área de dermatologia e exigem o internamento do paciente em UTI.

A maioria dessas reações graves têm como responsável a alergia a medicamentos, favorecido pelo seu uso indiscriminado pela população.

Continue lendo para saber mais sobre a Síndrome de Stevens-Johnson e a necrólise epidérmica tóxica.

O que é a Síndrome de Stevens-Johnson e a necrólise epidérmica tóxica?

Para entender o que é Síndrome de Stevens-Johnson e a necrólise epidérmica tóxica precisamos falar um pouco sobre as diversas manifestações clínicas que podem ocorrer após uma infecção ou a ingestão de medicamentos.

Essas manifestações compreendem desde um menor comprometimento da pele, que ocorre quando há a necrose (morte) da camada mais superficial da pele, a epiderme, até o eritema polimorfo forma Minor. ( link interno)

Também há reações que são mais graves, passando pela forma Major (link interno), evoluindo para a Síndrome de Stevens-Johnson (SSJ). Nos graus ainda mais sérios, ocorre a transição entre essa síndrome e a necrólise epidérmica tóxica (SSJ/NET). Por fim, no extremo da gravidade, há a necrólise epidérmica tóxica (NET).

Dessa forma, o espectro das manifestações clínicas mais graves segue essa ordem:

  • SSJ,
  • SSJ/NET,
  • NET.

Quanto menor a gravidade do comprometimento da pele, maior é a relação com o processo infeccioso, o que corresponde às formas Minor e Major do eritema polimorfo. A partir da Síndrome de Stevens-Johnson, a relação com infecção deixa de predominar e passa a haver relação com alergia a medicamentos.

A classificação dessas formas mais graves de reação alérgica é baseada na extensão do comprometimento da superfície da pele:

  • Síndrome de Stevens-Johnson: menos de 10%,
  • transição da Síndrome de Stevens-Johnson-Necrólise epidérmica tóxica: de 10 a 30%,
  • necrólise epidérmica tóxica: mais de 30%.

Quanto maior a extensão do comprometimento da pele, maior o percentual de mortalidade, exigindo internamento em UTI para ser tratado com os mesmos cuidados de um grande queimado, nos casos mais graves. 

Incidência

A incidência dessas 3 formas mais graves varia de 1 a 7 casos por 1 milhão de habitantes por ano.

Vale ressaltar que a síndrome de Stevens-Johnson é 3 vezes mais frequente do que a necrólise epidérmica tóxica.

As doenças são muito mais frequentes nos portadores de AIDS e de câncer em geral, e as mulheres são 2 vezes mais afetadas do que os homens.

A mortalidade é crescente a partir da SSJ, que é de 10%, e chega a 50% na NET. A probabilidade de morrer é maior nos indivíduos acima de 70 anos e nos portadores de comorbidades, como diabetes mellitus.

Qual a causa da SSJ, SSJ-NET e NET?

A principal causa da síndrome de Stevens-Johnson, da necrólise epidérmica tóxica e da sua transição são os medicamentos. Há mais de 100 tipos que podem ser classificados como responsáveis.

Na investigação do agente causal, o mais suspeito é aquele ingerido entre 4 e 28 dias antes do aparecimento das manifestações clínicas.

Já no caso de medicamentos de uso contínuo, a reação ocorre nos dois primeiros meses de tratamento.

Os principais compostos responsáveis são:

  • Sulfonamidas, especialmente o sulfametoxazol (Bactrim)
  • Anticonvulsivantes, como carbamazepina, lamotrigina, fenobarbital e fenitoína
  • Dipirona,
  • Anti-inflamatórios não hormonais, especialmente os derivados oxicans como o piroxican,
  • Alopurinol,
  • Nevirapina.

Outras causas, muito menos frequentes, são:

  • Infecção pelo Micoplasma pneumoniae, especialmente em crianças
  • Vacinas
  • Meios de contraste utilizados para exames de imagem
  • Medicamentos fitoterápicos,
  • Radioterapia.

Fatores de risco

Apesar de todos poderem desenvolver a Síndrome de Stevens-Johnson e a necrólise epidérmica tóxica, há alguns fatores de risco que predispõem a reação alérgica.

Os principais são:

Infectados pelo HIV

Os infectados pelo HIV apresentam um risco 100 vezes maior de desenvolver SSJ, SSJ/NET e NET.

Isso se dá pela maior exposição desses pacientes a vários medicamentos, infecções concomitantes e alterações imunológicas determinadas pelo vírus do HIV.

Câncer

Os pacientes oncológicos, especialmente nos casos do câncer originados no sangue, têm 30 a 60 vezes maior chance de desenvolver SSJ ou NET.

Nesses pacientes, os medicamentos responsáveis mais utilizados são os antibióticos, anticonvulsivantes e os específicos para tratar câncer.

Além disso, pessoas diagnosticadas com lúpus eritematoso sistêmico e com predisposição hereditária também são mais propensas a essas doenças.

Como a Síndrome de Stevens-Johnson se manifesta?

A Síndrome de Stevens-Johnson pode se manifestar de diferentes formas. Mas, de forma geral, inicialmente surgem sintomas semelhantes à gripe:

  • Febre superior a 39 °C,
  • Astenia (sensação de corpo mole),
  • Anorexia (falta de apetite),
  • Mialgia (dor muscular),
  • Artralgia (dor nas articulações).

As lesões iniciais podem ser compostas por manchas avermelhadas e pápulas (carocinhos) discretas. Manifesta-se por lesões semelhantes ao eritema polimorfo, porém com manchas tipo púrpura (arroxeadas) (foto 1) e bolhas (foto 2), distribuídas amplamente na pele.

Síndrome de Stevens-Johnson -  Lesões purpúricas
Foto 1: Lesões purpúricas (manchas escuras) acometendo pernas e coxas, em paciente portadora de Síndrome de Stevens-Johnson. Foto cedida pelo Dr. Emmanuel França.
Síndrome de Stevens-Johnson -  Lesões purpúricas
Foto 2: Lesões purpúricas (manchas escuras) e bolhas na perna, em paciente portador de Síndrome de Stevens-Johnson. Foto cedida pelo Dr. Emmanuel França.

Os locais mais afetados são o dorso das mãos, palmas, plantas, regiões extensoras dos membros e pescoço. Também há lesões no tronco e no rosto.

A extensão das bolhas, decorrente do descolamento da parte mais superficial da pele, não ultrapassa 10% da superfície corporal.

As mucosas são acometidas frequentemente em dois locais que podem ser:

  • Boca
  • Olhos
  • Faringe
  • Vias aéreas superiores
  • Genitais

Além disso, surge eritema (vermelhidão) e inchaço nesses locais. É seguido pelo surgimento de feridas muito dolorosas, cobertas por placas esbranquiçadas. Isso traz como consequência intensa dor à deglutição, no caso das lesões orais.

Muito característico é o acometimento dos lábios onde surgem crostas sanguíneas espessas (foto 3).

Síndrome de Stevens-Johnson, com crosta sanguinolenta no lábio inferior
Foto 3: Síndrome de Stevens-Johnson, com crosta sanguinolenta no lábio inferior. Foto cedida pelo Dr. Emmanuel França.

O percentual de mortalidade é de 10%, sendo a septicemia (infecção generalizada) a causa principal.

Como a necrólise epidérmica tóxica se manifesta?

A necrólise epidérmica tóxica, como já falado, representa a forma mais grave do espectro dessas doenças, consequente à maior extensão do acometimento da pele.

As lesões que assemelham a um grande queimado, o que ocorre pelo desprendimento da parte mais superficial da pele.

Inicialmente, surge febre superior a 39 °C e sintomas semelhantes à gripe, além de dor nos músculos e nas articulações.

Também é comum as manifestações consequentes ao comprometimento das mucosas como: 

  • Dor de garganta,
  • Salivação excessiva,
  • Tosse
  • Sensação de queimação ou coceira ocular,
  • Dor à deglutição de alimentos,
  • Fotofobia (medo de exposição ao sol). 

Após 1 a 3 dias, aparecem mais manifestações na pele e nas mucosas.

Na pele, há o aparecimento de extensas manchas avermelhadas, muitas delas com centro purpúrico (vermelho escuro), mal delimitadas, iniciando no rosto e evoluindo de forma simétrica para a parte superior do tronco.

No período de 2 a 5 dias, a inflamação atinge quase 100% da pele, exceto o couro cabeludo. Raramente a palma e a planta são afetadas.

Sobre a pele avermelhada, surgem vesículas e bolhas (foto 4), que confluem e rompem, além do deslocamento e desprendimento da pele em grandes retalhos, semelhante ao que ocorre com um grande queimado, deixando a pele abaixo desnuda, em “carne viva”, sangrando e eliminando líquido (exsudato). (foto 5)

Necrólise epidérmica tóxica
Foto 4: Necrólise epidérmica tóxica, manifestada por descolamento da parte superficial da pele, além de bolha tensa em parte inferior do braço. Foto cedida pelo Dr.Emmanuel França.
Necrólise epidérmica tóxica, em fase avançada
Foto 5: Necrólise epidérmica tóxica, em fase avançada, manifestada pela perda da pele, semelhante a uma extensa queimadura. Foto cedida pelo Dr. Emmanuel França.

Essa perda de líquido gera desequilíbrio hidreletrolítico (perda de líquido e eletrólitos, como o sódio) e perda de proteínas.

As áreas da pele submetidas, naturalmente, a maior pressão como a parte posterior dos ombros, dorso e nádegas, são as primeiras a serem eliminadas como retalhos de pele.

Pode ser induzida a formação de bolha pelo ato de atritar a pele aparentemente normal na borda de uma bolha, conhecido como sinal de Nikolsky.

Vale ressaltar que a dor na pele é muito intensa, tanto espontaneamente quanto ao toque.

O surgimento de uma nova pele ocorre no prazo de 2 a 4 semanas.

Aproximadamente 85% a 95% das mucosas são afetadas, geralmente precedendo o acometimento da pele, em 1 a 2 dias. A boca, a faringe, os olhos, a genital e o ânus são as áreas mais afetadas, nessa ordem citada.

Erosões (feridas) extensas e muito dolorosas nos lábios, boca e faringe geram crostas espessas e avermelhadas nos lábios (foto 6), salivação e impedimento de se alimentar. Este último, gera desidratação e desnutrição.

Necrólise epidérmica tóxica nos lábios
Foto 6: Necrólise epidérmica tóxica, apresentando perda da pele da face e crostas sanguinolentas nos lábios. Foto cedida pelo Dr. Emmanuel França.

Já o acometimento dos olhos acarreta:

  • Fotofobia,
  • Dor,
  • Erosões da conjuntiva e da córnea,
  • Ceratite,
  • Sinéquia (aderência) entre as mucosas da pálpebra e do olho
  • Amaurose (cegueira),
  • Síndrome Sicca (olhos secos permanentemente).

O acometimento das mucosas genital e anal induz dor intensa ao urinar e ao evacuar, respectivamente, além de aderências na vagina, nos grandes lábios e no trato urinário. Essas complicações têm como consequência o impedimento do ato sexual e de urinar.

As complicações mais graves da necrólise epidérmica tóxica, que podem comprometer a vida dos pacientes, são as seguintes:

  • Septicemia (infecção generalizada), sendo a principal causa de morte,
  • Insuficiência respiratória, gerando necessidade de utilizar respirador artificial,
  • Coagulação intravascular disseminada, provocando sangramento do aparelho gastrointestinal, e insuficiência respiratória, renal e do fígado.

A mortalidade da NET é muito alta variando de 25% até 50%.

Como devem ser tratadas essas reações alérgicas?

Ao desconfiar de Síndrome de Stevens-Johnson, necrólise epidérmica tóxica ou sua transição, vá de forma urgente a um dermatologista para fazer a avaliação das lesões.

Alguns medicamentos podem deter a progressão da doença e o remédio causador deve ser suspenso o quanto antes.

Dependendo da seriedade, o paciente precisa ser tratado na UTI, se mantendo em ambiente aquecido, fazendo hidratação por via intravenosa e se alimentando por via intravenosa.

Além disso, pode-se prescrever analgésicos para controlar a dor e antibióticos quando houver suspeita de infecção bacteriana.

Se você ainda tiver alguma dúvida sobre a Síndrome de Stevens-Johnson e a necrólise epidérmica tóxica, entre em contato conosco e converse com um especialista.