Por que a hanseníase ainda persiste?

A hanseníase é uma doença infecciosa, causada pela bactéria Mycobacterium leprae. Apesar de ser pouco contagiosa e ter cura, o Brasil ocupa o segundo lugar no mundo em número de casos. Sua transmissão ocorre principalmente pelo contato íntimo e prolongado, através da fala, predominantemente, dentro do ambiente domiciliar.
Infelizmente, a hanseníase afeta desproporcionalmente a população de baixa renda, que vive em condições de maior aglomeração, com várias pessoas dividindo espaços pequenos.
Porém, o maior motivo dessa população ser a mais afetada é a falta de maior investimento em educação, que gera pessoas sem conhecimento sobre a doença e, principalmente, sem capacidade de refletir sobre o que as afeta. Essa última capacidade, o pensamento crítico, é adquirida pelo aproveitamento do conhecimento em formar pensadores, principal objetivo da educação, muito enfatizado pelo grande educador Paulo Freire.
Como identificar a hanseníase em sua fase inicial?
O primeiro sinal da hanseníase é o surgimento de uma mancha esbranquiçada (foto 1) e, menos frequente, por mancha avermelhada com características específicas:
- Perda dos pelos na região
- Ausência de suor no local
- Sensação reduzida de calor e frio

Nessa fase inicial, ainda não há transmissão nem dano aos nervos periféricos, principal responsável pelas graves sequelas da doença, portanto, irreversíveis. Por isso, o diagnóstico precoce é essencial.
Consequências da falta de diagnóstico precoce
Sem tratamento adequado, a hanseníase pode causar sequelas sérias, como:
- Perda da visão
- Impotência sexual
- Mãos e pés em garra, dificultando atividades manuais e a locomoção
Essas consequências impactam profundamente a qualidade de vida dos pacientes, muitas vezes limitando sua capacidade de trabalhar e se locomover de maneira autônoma.
Desafios no combate à hanseníase e a importância do diagnóstico precoce
A erradicação da hanseníase passa por superar barreiras de gestão publica e culturais, como o treinamento das equipes de saúde, incluindo a realização de busca ativa mais eficiente.
A importância da busca ativa
Por se tratar de uma doença de transmissão predominantemente domiciliar, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que mais de 90% dos familiares dos pacientes sejam examinados. Essa medida é essencial para evitar que pessoas já tratadas sejam reinfectadas por membros da família, que permanecem sem diagnóstico.
No entanto, a realidade está longe dessa meta. Temos a seguinte realidade sobre a doença:
- Apenas 64% dos familiares são examinados, o que compromete o controle da doença.
- Outro problema crítico é o abandono do tratamento que ocorre em12% dos pacientes.
- Apenas 74% concluem o tratamento.
Esses índices preocupam devido ao risco de resistência bacteriana aos antibióticos, agravado por dispormos de poucas opções desses medicamentos.
O preconceito como obstáculo
O estigma associado à hanseníase é um fator que dificulta tanto o diagnóstico quanto o tratamento. Muitos pacientes evitam buscar ajuda próxima de suas residências por medo de serem identificados, preferindo locais distantes e, consequentemente, aumentando o risco de abandono do tratamento Portanto, esse preconceito é mais um motivo para investirmos na educação da população sobre a doença.
A necessidade de qualificação das equipes de saúde
A responsabilidade pela busca ativa recai principalmente sobre os agentes comunitários de saúde e enfermeiros. Contudo, esses profissionais frequentemente não recebem treinamento adequado para desempenharem essa função de maneira eficiente.
O médico da Atenção Primária também tem um papel crucial. No entanto, a formação insuficiente começa já no curso de medicina e persiste após a graduação. Faltam programas de capacitação, organizados pelo Ministério da Saúde, secretarias estaduais e municipais, e até mesmo pela Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).
A solução: Dermatologia Comunitária
Uma medida promissora seria a implantação da subespecialidade de Dermatologia Comunitária pela SBD, já existente em diversos países como Argentina, México e República Dominicana. Esse modelo consiste na presença de médicos residentes de dermatologia e dermatologistas em Unidades Básicas de Saúde, trabalhando em conjunto com as equipes da Atenção Primária. Essa integração contribuiria significativamente para a qualificação destes últimos profissionais, principais responsáveis pelo tratamento e consequente controle efetivo da hanseníase.