Entenda o Lúpus Eritematoso: guia completo para pacientes

Dr. Sergio Paulo

O lúpus eritematoso é mais do que uma simples condição médica — é um desafio complexo para a saúde que exige atenção especial. Caracterizado por uma inflamação crônica que pode impactar órgãos essenciais, como rins, coração e cérebro, o lúpus é uma doença autoimune onde o próprio sistema de defesa do corpo se volta contra ele, causando danos significativos. 

Este guia é projetado para esclarecer os aspectos fundamentais do lúpus eritematoso, enfocando suas manifestações cutâneas e as opções de tratamento disponíveis. A pele, afetada em mais de 85% dos casos de lúpus, é muitas vezes o primeiro sinal de alerta. A identificação precoce por um dermatologista pode ser crucial para um tratamento eficaz e para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes. 

Exploraremos os sintomas mais comuns do lúpus, com um olhar atento às manifestações na pele e as abordagens terapêuticas recomendadas. Entender esses sinais pode ajudar no reconhecimento precoce e gerenciamento da doença. 

Prevalência do Lúpus: Estatísticas e Fatores de Risco 

A prevalência do lúpus varia globalmente, com taxas de incidência estimadas entre 1 a 25 casos por 100.000 pessoas. Este dado ressalta a importância de compreender os fatores de risco e as populações mais vulneráveis à doença. 

Influência do Ambiente e Etnia 

Pesquisas mostram que a incidência do lúpus é maior em áreas urbanas comparativamente às rurais. Esse fenômeno pode estar relacionado a fatores ambientais específicos das cidades que precisam de investigação adicional. Além disso, indivíduos de ascendência asiática e afrodescendente apresentam uma maior predisposição ao lúpus, indicando que a etnia pode desempenhar um papel significativo na suscetibilidade à doença. 

Disparidade de Gênero na Incidência do Lúpus 

O lúpus sistêmico tem um impacto desproporcional nas mulheres, com uma razão de 7 mulheres afetadas para cada homem.

Esse desequilíbrio sugere uma possível conexão entre o lúpus e os hormônios sexuais femininos, tornando as mulheres um grupo de especial interesse para pesquisas e estratégias de prevenção. 

Comparação entre as Formas de Lúpus 

Quando se trata das variantes da doença, o lúpus eritematoso discoide cutâneo — que se manifesta, na grande maioria do casos, exclusivamente na pele — é de 2 a 3 vezes mais comum do que sua contraparte sistêmica, que também atinge outros órgãos vitais.  

Esse conhecimento é crucial para o diagnóstico correto e o tratamento adequado. 

Entendendo as Causas do Lúpus Eritematoso: Fatores de Risco e Influências 

Fatores Genéticos na Origem do Lúpus 

O lúpus eritematoso, uma complexa doença autoimune, tem etiologia multifatorial. Estudos apontam uma correlação genética, com casos da doença aparecendo em múltiplos membros de algumas famílias, indicando que a herança desempenha um papel significativo no desenvolvimento do lúpus. 

Influência Hormonal no Lúpus Eritematoso 

A predominância do lúpus em mulheres sugere fortemente um fator hormonal na patogênese da doença. Essa teoria é respaldada pela observação de que as manifestações do lúpus podem piorar durante a gravidez — um período de níveis elevados de estrogênio — e a tendência de uma progressão mais branda em homens, que têm maiores níveis de testosterona. 

O Papel da Exposição Solar na Ativação do Lúpus 

A exposição à radiação ultravioleta A (UVA), presente na luz solar e capaz de atravessar vidros, tem sido identificada como um fator ambiental que pode desencadear o lúpus. A UVA pode danificar os queratinócitos da pele, levando à produção de autoantígenos e, subsequentemente, de autoanticorpos que atacam o organismo, um processo central na autoimunidade do lúpus. 

Impacto Ambiental e Substâncias Químicas 

Exposição a substâncias químicas de alto peso molecular, encontradas em produtos como vinis, resinas e até alimentos transgênicos, pode estar associada ao desenvolvimento do lúpus.

Além disso, produtos injetáveis para procedimentos estéticos, como ácido hialurônico e silicone, são contraindicados para indivíduos com lúpus, devido ao risco aumentado de estimular a produção de autoanticorpos. 

Anormalidades Imunológicas e o Lúpus 

A interação de fatores externos — como a radiação UVA, medicamentos e patógenos — com uma predisposição genética, resulta na ativação anormal do sistema imunológico.  

Essa ativação inadequada leva à produção de autoanticorpos contra componentes celulares, fundamentando a natureza autoimune do lúpus. 

Manifestações do Lúpus Eritematoso: Conheça as Diferentes Formas Clínicas 

Quando se fala em lúpus eritematoso, muitos se perguntam: como essa condição realmente se apresenta?  

O lúpus eritematoso pode se manifestar de diversas formas, afetando principalmente a pele. Aqui, exploraremos as distintas manifestações clínicas do lúpus eritematoso cutâneo, uma faceta da doença que exige atenção e cuidado especializado. 

Formas Clínicas do Lúpus Eritematoso Cutâneo 
  • Lúpus Eritematoso Cutâneo Crônico (LECC): 
    • O LECC é caracterizado por lesões que podem persistir por um longo período, muitas vezes deixando cicatrizes ou alterações na pigmentação da pele. 
  • Lúpus Eritematoso Cutâneo Subagudo (LECSA): 
    • As lesões do LECSA são menos permanentes que as do LECC e geralmente não deixam cicatrizes. São marcadas por períodos de atividade e remissão. 
  • Lúpus Eritematoso Cutâneo Agudo (LECA): 
    • O LECA é associado a lesões mais severas e pode indicar um comprometimento sistêmico mais significativo, requerendo uma avaliação médica imediata. 

Importante ressaltar que cada tipo de lúpus cutâneo possui características únicas e se manifesta de forma específica. Um paciente tipicamente apresentará apenas um tipo de lesão cutânea – seja ela crônica, subaguda ou aguda – que pode ocorrer de forma contínua ou intermitente, mas sem a coexistência de múltiplos tipos de lesões simultaneamente. 

Entendendo o Lúpus Eritematoso Cutâneo Crônico (LECC): Sintomas e Manifestações 

O que é o Lúpus Eritematoso Cutâneo Crônico (LECC)? 

O LECC é a forma mais comum de lúpus cutâneo, caracterizada principalmente pela lesão discoide (em forma de disco).

A compreensão dos sintomas e sinais dessa condição é essencial para o diagnóstico e manejo adequados.  

A seguir, detalhamos as manifestações características do LECC e como elas podem afetar a pele e outros órgãos. 

Sinais Característicos do LECC 

Lesões Discoides: 

Identificáveis por placas elevadas, vermelhas, com formato de disco e escamas aderentes que, ao serem removidas, deixam orifícios visíveis na pele. Fotos 1,2,3 e 4

Foto 1: Lupus eritematoso discoide crônico na face, lesão inicial, manifestando lesões avermelhadas e elevadas (infiltradas) 
Foto 2: Lupus eritematoso discoide crônico, forma de disco, infiltrada e coberta por escama aderente  
Foto 3 a e 3b: Lupus eritematoso discoide crônico no dorso, com escamas espessas e esbranquiçadas  
Foto 4: Lupus eritematoso discoide crônico no couro cabeludo onde se observa dilatação da abertura do pelo, semelhante à depressão por “percevejo” em quadro de aviso. 

Essas lesões geralmente evoluem para uma atrofia central, conferindo um aspecto anular à lesão, com coloração mais clara no centro e bordas ainda infiltradas (com inchaço). Foto 5 ,6,7,8 e 9.

Foto 5: Lupus eritematoso discóide crônico, apresentado lesões arredondadas, com início de atrofia na parte central e as bordas ainda infiltradas 
Fotos 6, 7 e 8: Lupus eritematoso discoide crônico, apresentando lesões com atrofia, de cor mais clara do que a pele normal e bordas com tonalidade escura 
Foto 9: Lupus eritematoso discoide crônico, onde se observa textura da pele completamente atrofiada. 
Locais Comuns de Manifestação: 

Rosto: Pode apresentar o clássico “aspecto em asa de borboleta”, especialmente nas regiões malares e no nariz. (Foto 10) 

Orelhas: A atrofia cutânea, particularmente na área interna, pode levar a lesões semelhantes às do vitiligo (fotos 11 a e 12) 

Orelhas: A atrofia cutânea, particularmente na área interna, pode levar a lesões semelhantes às do vitiligo (fotos 11 a e 12) 

Fotos 11 e 12: Lupus eritematoso discoide com aspecto semelhante ao vitiligo devido à cor esbranquiçada da atrofia

Couro Cabeludo: Pode causar alopecia cicatricial, deixando áreas com perda definitiva do cabelo (fotos 13 e 14) 

Fotos 13: Lupus eritematoso discoide crônico: a atrofia da pele gerou  perda definitiva do cabelo, ainda com tonalidade avermelhada e com descamação 
Foto 14: Lupus eritematoso crônico com aspecto esbranquiçado, em fase mais avançada da alopecia. 

Mucosas: Incluem lesões orais com centro esbranquiçado e avermelhadas no palato duro (“céu da boca”), além de alterações na mucosa ocular e dos lábios. (fotos 15, 16, 17 e 18)

Foto 15: Lupus eritematoso com lesões esbranquiças dentro da boca, correspondente à face interna das bochechas 
Fotos 16 e 17: Lupus eritematoso discoide crônico com ulcerações (feridas) no lábio inferior 
Foto 18: Lupus eritematoso discoide crônico na pálpebra inferior, manifestado por infiltração (inchaço) e feridas. 
Variante Túmida: 

Esta forma de LECC se manifesta com lesões semelhantes à urticária, mas mais persistentes e inchadas, comumente no rosto e em áreas expostas ao sol. 

Impacto em Outros Órgãos 

Embora o LECC afete principalmente a pele, em 5 a 20% dos casos, pode impactar outros órgãos de maneira menos intensa em comparação a outras variedades do lúpus.  

Áreas como a parte superior do tórax e membros superiores também podem ser afetados pela exposição solar. 

Explorando o Lúpus Eritematoso Cutâneo Subagudo: Tipos e Implicações 

O lúpus eritematoso cutâneo subagudo (LECSA) é uma variante da doença cutânea intimamente ligada à exposição solar. Neste artigo, vamos mergulhar nas manifestações desta forma de lúpus, compreendendo suas duas variantes clínicas distintas e o que sua presença pode significar para a saúde global do paciente. 

Variantes Clínicas do LECSA 

Pápulo-Escamosa ou Psoriasiforme: 

Essa variedade se manifesta com eritema e infiltração, similar à psoríase, mas distinta pela ausência de atrofia cutânea e por escamas mais aderentes. 

Diferencia-se da psoríase também pelo local e disposição das lesões (foto 19). 

Foto 19: Lupus eritematoso subagudo caracterizados por lesoes eritematosas (avermelhadas) cobertas por escamas semelhantes às da psoríase nos membros superiores. 

 Anulares Policíclicas: 

Caracterizam-se por lesões em forma de anel com bordas elevadas, onde o centro está no mesmo nível da pele circundante  

A falta de atrofia central é uma característica marcante desta variante. 

Sintomas e Localizações 

A presença de telangiectasias (dilatações de pequenos vasos sanguíneos) ao redor das unhas é um sinal distintivo que pode indicar envolvimento sistêmico da doença (foto 20) 

Foto 20: Lupus eritematoso subagudo, afetando as mãos, apresentando eritema e telangiectasias (dilatação dos vasos sanguíneos da pele) 

As lesões são mais comuns no tronco, contrastando com as outras formas de lúpus que são mais prevalentes no rosto. 

Riscos de Complicações 

O LECSA apresenta uma probabilidade de 50% de evoluir e afetar outros órgãos, reforçando a necessidade de monitoramento contínuo e atenção especial à exposição solar. 

Entendendo o Lúpus Eritematoso Cutâneo Agudo e Seus Efeitos Sistêmicos 

O Lúpus Eritematoso Cutâneo Agudo (LECA) é uma forma severa desta doença autoimune, que está invariavelmente associada a comprometimentos de múltiplos órgãos.  

É uma condição que requer atenção especializada, dada a sua natureza sistêmica e potencial para desencadear manifestações graves. 

Gatilhos e Progressão 
  • Exposição ao sol e certos medicamentos como procainamida, hidralazida ou isoniazida podem precipitar o LECA. 
  • A doença é marcada por períodos de remissão e exacerbação, onde o agravamento cutâneo pode ser um sinal de ativação da doença em outros órgãos. 
Manifestações Cutâneas 

Caracteriza-se por lesões avermelhadas e levemente inflamadas, frequentemente distribuídas em padrão de “asa de borboleta” no rosto e podendo se estender ao tórax correspondente à área exposta ao sol (fotos 21 e 22). 

Fotos 21 e 22: Lupús eritematoso cutâneo agudo, manifestado por manchas avermelhadas, com formato em asa de borboleta, sem atrofia, na face e atingindo a parte exposta ao sol do tórax, correspondente ao colo 

Diferentemente de outras formas, não deixa atrofia após a resolução das lesões cutâneas, permitindo também a recuperação do cabelo por não deixar cicatriz em qualquer local da pele. 

Complicações Sistêmicas do LECA 
  • Renais: A nefrite lúpica é um fator crítico para o prognóstico, sendo mais grave em pacientes jovens. 
  • Hematológicas: Anemia e leucopenia podem ser sinais precoces. 
  • Pleurais e Cardíacas: Pleurite e pericardite (inflamação das películas que recobrem o pulmão e o coração, respectivamente) podem ocorrer, com potencial para efusões líquidas e consequente dificuldade de expansão deles. 
  • Neurológicas: Uma ampla gama de manifestações, incluindo cefaleia, alterações cognitivas, comportamentais, e até, complicações mais severas como meningite asséptica e neuropatias. 
  • Oculares: Neurite óptica, vasculite retiniana e xeroftalmia são algumas das possíveis manifestações oculares. 
  • Gastrointestinais: Sintomas como anorexia (falta de apetite), náusea, diarreia e constipação podem ocorrer. 
  • Vasculares: Vasculite e fenômenos tromboembólicos nos grandes vasos sanguíneos ,além de vssculite ( inflamação da parede dos vasos sanguíneos) nos membros superiores e inferiores e, assim, comprometer a circulação do sangue nesses órgãos. 
Recomendações e Cuidados 

Pacientes com LECA devem ser monitorados por uma equipe multidisciplinar de saúde, dada a complexidade e a natureza multifacetada da doença.  

O manejo clínico adequado é crucial para melhorar a qualidade de vida e reduzir o risco de complicações fatais. 

Diagnóstico  

Avaliação Inicial 

O diagnóstico do Lúpus Eritematoso vai além da observação clínica, fundamentando-se fortemente em análises laboratoriais detalhadas. Essas análises buscam identificar a presença de autoanticorpos, que são indicativos da doença autoimune, onde o sistema imunológico ataca erroneamente tecidos do próprio organismo. 

Autoanticorpos e Lúpus 

Os autoanticorpos no lúpus têm como alvo, componentes essenciais das células, tanto intracelulares (núcleo e citoplasma) quanto extracelulares.  

A presença e o perfil destes anticorpos são chaves no reforço do diagnóstico: 

  • Anticorpos Nucleares Específicos: Incluem Anti-Ds-DNA e Anti-Sm, altamente específicos para o lúpus. 
  • Anticorpos Citoplasmáticos: Como Anti-Rnp, Anti-Ro-ssA e Anti-La-ssB, que estão associados a manifestações clínicas específicas. 
  • Outros Anticorpos Relevantes: Antinucleossomais, anti-proteína do centrômero e anti-KU também são relevantes para o diagnóstico. 
Complemento Hemolítico 

A avaliação do complemento hemolítico e de suas frações é vital, pois o consumo destes componentes está diretamente relacionado à atividade da doença, fornecendo uma visão da intensidade da resposta imunológica do organismo. 

Exame Histopathistopatologico do rim, cujo material é  obtido atraves de biopsia do órgão, assume um papel crucial ao definir o tipo de lesão renal presente, o que é fundamental para o prognóstico do paciente com lúpus. 

Recomendações para a Prática Clínica 

Para profissionais da saúde, é imprescindível uma compreensão profunda dos métodos de diagnóstico do lúpus.

O uso de testes laboratoriais, em conjunto com a avaliação clínica, permite uma abordagem diagnóstica abrangente e um prognóstico mais acurado. 

Tratamento 

Proteção Solar: Uma Medida Fundamental 

A mitigação dos efeitos do lúpus na pele começa com uma proteção solar eficaz, que deve compreender: 

  • Filtro Solar de Amplo Espectro: Essencial para bloquear tanto a radiação UVA quanto a UVB. 
  • Vestuário Protetor: Incluir roupas especiais com proteção UV na rotina do paciente, preferencialmente as de cor escura. 
  • Acessórios: O uso de um boné de aba larga para proteção adicional, incluindo a nuca, é recomendado. 
Manejo do Lúpus Eritematoso Cutâneo Crônico 

Neste caso, que se caracteriza por lesões limitadas à pele, o tratamento pode ser localizado: 

  • Corticosteroides Tópicos: A aplicação de creme ou pomada de corticosteroide de alta potência anti-inflamatória, seguida de uma fórmula menos potente, após o controle das lesões. 
  • Métodos Oclusivos e Injeção Intralesional: Técnicas efetivas para lesões isoladas de aplicação de corticosteroide  
Tratamento Sistêmico para Casos Extensivos 

Para aqueles com múltiplas lesões, as opções incluem: 

  • Metotrexato 
  • Dapsona 
  • Antimaláricos: Hidroxicloroquina e Difosfato de Cloroquina são frequentemente utilizados. 
  • Talidomida: Com contraindicação durante a gravidez devido ao seu potencial teratogênico. 
Lúpus Eritematoso Subagudo e Agudo 
  • Corticosteroides Orais: Estes são indicados para as formas mais severas da doença, muitas vezes em combinação com antimaláricos, principalmente se houver envolvimento renal. 
Plasmaferese: Uma Opção para Casos Refratários 
  • Procedimento de Plasmaferese: Consiste na retirada e filtragem dos anticorpos do sangue, realizada inicialmente de forma intensiva e depois em manutenção semanal. 

Recomendações Práticas 

É vital para os profissionais da saúde entender a necessidade de personalizar o tratamento do lúpus, baseado na gravidade e na extensão das lesões.  

A monitorização contínua e ajustes na terapia são essenciais para otimizar os resultados. 

INSCREVA-SE NA NOSSA NEWSLETTER SOBRE SAÚDE DA PELE